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O Luxo do Champagne Cristal, Que Leva a Terra para a Taça

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Em meio à paisagem coberta de neve, pareciam existir pequenas árvores sem folhas, que se curvavam para o lado. Essas plantas ficam adormecidas durante o descanso de inverno, mas é uma oportunidade perfeita para contemplar sua diminuta estatura. Pode parecer um cenário fictício, mas esse lugar é real. Tão real que a expressão dessa terra em uma taça de champagne é marcante. Estas são as vinhas do Champagne Cristal, na região de Champagne, na França.


Por lá, os solos pobres em nutrientes e dominados por giz fazem as videiras lutarem tanto para sobreviver que se assemelham mais a minúsculos bonsais do que às vinhas robustas comuns em outras partes do mundo. É por isso que Jean-Baptiste Lécaillon, chef de caves do Cristal, apelidou essas vinhas específicas de “bonsai”. Elas são raras, até mesmo quando comparadas às demais videiras de sua adorada região de Champagne.



Champagne Cristal


Em um mundo onde muitos dos vinhos de luxo mais prestigiados foram adquiridos por grandes grupos corporativos, a maison Louis Roederer permanece uma empresa independente e familiar, atualmente sob a liderança de Frédéric Rouzaud, da sétima geração da família.


Em 1876, eles selecionaram seus melhores vinhedos para criar um dos champagnes mais distintos de todos os tempos, o Cristal. Parte do sucesso está enraizado no entendimento da família de que a grandeza dessa bebida reside nos vinhedos, que expressam a profundidade do terroir, ou seja, o senso de lugar.


Em 1816, André Jullien, um dos primeiros e mais influentes escritores e especialistas em vinhos da história, publicou o livro Topographie de tous les vignobles connus (Topografia de Todos os Vinhedos Conhecidos, em tradução literal), que incluía uma classificação dos vinhedos da região de Champagne. Louis Roederer, que herdou a maison em 1833 e, pouco mais de uma década depois, seguiu a classificação de Jullien e começou a fazer investimentos significativos na compra de vinhedos excepcionais.


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No inverno, as vinhas do Champagne Cristal ficam sem folhas e cobertas de neve


Hoje, muitos dos melhores vinhedos da região são exatamente aqueles selecionados por Jullien há mais de um século. Seja no vinhedo Basses Coutures, no vilarejo de Verzenay — onde o solo tem sedimentos e giz —, ou no vinhedo biodinâmico Bonnotte-Pierre-Robert, com seu subsolo de calcário no vilarejo de Aÿ, todos os terrenos que compõem o Cristal oferecem um retrato multifacetado dos aspectos mais extraordinários da região.


Até mesmo os diversos tipos de solo calcário, que variam em forma, conferem qualidades diferentes aos vinhos. Segundo Lécaillon, o vinhedo de Verzenay é como o Grand Cru Chambertin da Borgonha, pela sua “força e potência”, enquanto o de Aÿ é comparável ao Grand Cru Musigny, também da Borgonha, por ter um “perfume encantador e suavidade”.


Mas a Louis Roederer não se acomoda. A maison implementou diversos programas para explorar maneiras de encontrar um equilíbrio ideal nas videiras e proteger sua longevidade, estimulando ciclos de vida mais longos.


Eles também recorrem a disciplinas científicas modernas para identificar a ampla diversidade de clones presentes em seus vinhedos, que prosperaram graças à seleção massal, um processo que utiliza estacas de videiras antigas e excepcionais para gerar novas plantas.


Em 2002, eles iniciaram um projeto chamado In Vinifera Aeternitas, reunindo especialistas como Lilian Bérillon, proprietário de um viveiro especializado em seleção massal de algumas das melhores propriedades do mundo, e o professor Jean-Michel Boursiquot, um dos mais talentosos ampelógrafos, especialista na identificação e classificação de videiras, para ajudar a concretizar seus objetivos.


Entre os avanços conquistados está a aplicação de técnicas de poda que “respeitam o fluxo da seiva”, promovendo uma vida mais longa às plantas, além da implementação de uma filosofia de permacultura, que prioriza a criação de sistemas sustentáveis e resilientes, que imitam os ecossistemas naturais, alinhando-se às práticas orgânicas e biodinâmicas adotadas pela maison.


Quando se fala nessas práticas orgânicas e biodinâmicas, Lécaillon observa que percebeu uma redução no pH dos vinhos após a conversão para orgânicos, o que resultou em aumento da acidez.


Encontrando o Terroir em Champagne


A região de Champagne é um exemplo de sucesso no marketing global, com diversas maisons construindo marcas que dominam o mercado de vinhos de luxo, com embalagens sofisticadas, eventos suntuosos e presença nos clubes mais exclusivos do mundo.


No entanto, muitas dessas marcas pertencem hoje a grandes grupos. Esse sucesso, por outro lado, acabou prejudicando algumas casas familiares que evitam esse tipo de divulgação, pois não querem que essa euforia comercial ofusque a verdadeira alma dos seus champagnes.


Nos últimos anos, surgiu um movimento de valorização dos chamados grower champagnes, ou seja, bebidas produzidas em pequenas quantidades por viticultores que antes vendiam suas uvas para as grandes casas. Muitas dessas produções são vinhos de vinhedo único. Embora esses rótulos sejam, frequentemente, excelentes exemplos de expressão de terroir, é um erro acreditar que eles sejam a única forma legítima de capturar o senso de lugar da região.


Historicamente, o champagne é um vinho de blend, e, sim, em muitos casos isso contribui para manter uma consistência de estilo, até mesmo nos rótulos safrados. Os champagnes safrados do Cristal vão além, criando uma experiência elaborada a partir dos solos que tornaram essa região lendária.


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A região de Champagne produz os vinhos de luxo mais exclusivos do mundo.


É por isso que o Cristal pode surpreender quem o prova pela primeira vez, especialmente se estiver acostumado a consumir uma variedade de champagnes renomados. Ele pode, num primeiro gole, não parecer grande ou impactante o suficiente para impressionar de imediato. Mas sua intensidade e concentração são únicas, porque seu poder não está na fruta, mas na profundidade da expressão do terroir.


Quando o degustador se entrega ao desconhecido, a uma profundidade que talvez nunca tenha experimentado antes, entende por que alguns especialistas consideram esse champagne uma categoria à parte. Quando se fala em uma expressão multidimensional do senso de lugar, vinda desses vinhedos extraordinários classificados há mais de um século, há argumentos sólidos de que nenhum outro champagne de luxo está no mesmo patamar do Cristal.


Champagne Cristal


Champagne Cristal 2002


O Champagne Cristal 2002, composto por 55% Pinot Noir e 45% Chardonnay, foi um “presente de boas-vindas à família Roederer” de Lécaillon, quando assumiu o cargo de chef de cave, em 1999.


A bebida teve uma evolução magnífica ao longo de duas décadas, com sabores de torta de pêssego e merengue de limão, corpo amplo e textura cremosa, com acidez vibrante, aromas minerais e um final longo com notas de avelã.


Champagne Cristal 2012


O Champagne Cristal 2012, feito com 60% Pinot Noir e 40% Chardonnay, vem de uma safra mais quente, mas que não demonstra isso neste estágio. Para Lécaillon, com o tempo, esse vinho se tornará maior e mais rico, como costuma acontecer com o Cristal.


Por ora, destaca-se pela expressão pura dos vinhedos, com notas de conchas de ostras e pedras molhadas, um leve toque de madressilva ao fundo e uma acidez suculenta, com um paladar encorpado, porém linear.


Champagne Cristal 2008


Composto por 60% Pinot Noir e 40% Chardonnay, a safra de 2008 do Champagne Cristal é comparada à icônica safra de 1996 por Lécaillon. No entanto, 1996 foi controverso. Alguns a consideram uma das melhores da história moderna de Champagne, enquanto outros acham os vinhos excessivamente austeros, com acidez altíssima.


Aprendendo com 1996, Lécaillon decidiu esperar uma semana a mais para colher em 2008. O resultado foi uma acidez vibrante, viciante, com a mineralidade clássica do Cristal presente em todos os aspectos do vinho, notas florais elevadas e muita fruta carnuda de nectarina, que equilibra a acidez e confere uma eletricidade empolgante a essa safra.


Champagne Cristal 2016


Com 58% Pinot Noir e 42% Chardonnay, o Champagne Cristal 2016 veio de uma safra desafiadora, que exigiu muito dos produtores, por causa da primavera chuvosa e do míldio, uma doença fúngica que afeta as videiras. Surpreendentemente, é uma safra excepcional.


Apresenta uma pureza impressionante; jamais se diria que vem de um ano que sofreu com o míldio. A safra de 2015 recebeu mais atenção, por ser mais madura e ter enfrentado menos problemas. Lécaillon afirma que safras desafiadoras, como 2016, são julgadas de forma injusta com generalizações de que todos os Champagnes seriam de qualidade inferior.


Para quem se dedica e cuida dos vinhedos com extrema vigilância, algo especial pode ser produzido. E o resultado, de fato, é impressionante. No nariz, flor de limoeiro, pêssegos brancos e giz esmigalhado, com uma acidez marcada, combinada a uma nota salina e um final suculento.


Champagne Cristal Rosé 2013


Com 55% Pinot Noir e 45% Chardonnay, esse rosé pode, facilmente, entrar para a lista dos maiores e melhores champagnes do mundo. Isso é surpreendente, já que os vinhos de 2013 eram geralmente considerados encantadores na juventude, mas sutis, sem status de blockbuster. No entanto, este 2013 evoluiu para um exemplo sublime do que faz do Cristal uma classe à parte: um terroir incrivelmente definido e potente, com a dose certa de fruta e acidez.


Lécaillon explica que, para eles, fazer rosé significa adicionar mais uma camada de expressão do terroir. Desde 2008, com sua vinícola experimental, começaram a usar uma técnica de “infusão” suave nas uvas Pinot Noir antes da fermentação, permitindo extrair mais expressão do local a partir das cascas, sem a adstringência.


É um buquê sedutor, um verdadeiro labirinto de aromas com toques de flor de cerejeira, morangos silvestres, mineralidade salgada e um toque de marzipã, conferindo ao vinho uma tensão vibrante e uma estrutura muito fina. As bolhas são tão pequenas que acariciam como cetim, ao mesmo tempo que provocam um final extremamente prolongado.


Champagne Cristal Rosé 2014


Com 55% Pinot Noir e 45% Chardonnay, o Rosé de 2014 traz um nariz deslumbrante, com notas de bala de pêra, torta de pêssego e casca de laranja tostada.


Apesar de ser considerado jovem para os padrões do Cristal, já está aberto e generoso, com mineralidade dominada por pedras britadas e giz pulverizado, mesmo com uma fruta generosa. Possui corpo arredondado e um final longo e cheio de sabor, mas é a mineralidade que permanece mais tempo na memória do degustador.


* Cathrine Todd é colaboradora da Forbes EUA, onde escreve sobre vinhos desde 2019.



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